O último grande sucesso do estúdio fora o filme  Rei Leão, de 1994.  Das criaturas ali presentes, todas as que foram lançadas de 1995 até  aquele momento pertenciam à Pixar,  um estúdio de animação que começara pequeno e com a qual a Disney  mantinha uma parceria desde 1991. Isso quer dizer que o Senhor Incrível,  o peixinho Nemo e o astronauta intergaláctico Buzz Lightyear, todos  elaborados pela Pixar, exerciam naquele instante o mesmo encanto que  transformou  Mickey, Pateta e Peter Pan  em ídolos das  gerações  anteriores.
Embora, financeiramente, o grupo Disney não passasse exatamente por  dificuldades, esse episódio reforçou em Iger a convicção de que o grupo  vivia uma séria crise criativa que poderia comprometer a companhia no  futuro. Por isso,  procurou saber qual era o segredo daquela empresa   que estava ofuscando a Disney. Constatou,  então,  que o responsável  direto por tamanho sucesso era um homem chamado John Lasseter, que havia  fundado a Pixar ao lado do matemático Ed Catmull, especialista em  computação gráfica, e de Steve Jobs,  o fundador da Apple. Lasseter era o cérebro criativo, a cabeça de onde  brotavam as principais ideias de filmes e personagens da Pixar, que, em  função da parceria, também beneficiavam a Disney. 
 O curioso da história é que o acordo entre as duas empresas estava  para vencer e não havia perspectivas de renovação. Isso porque  desavenças entre Jobs e Michael Eisner, o antecessor de Iger como CEO da  Disney, haviam azedado as relações. Iger resolveu o impasse com uma  jogada ousada: fez uma oferta de US$ 7,4 bilhões para adquirir a Pixar. O  negócio foi fechado em 2006, tornando Lasseter o diretor de criação de  ambas as companhias e Jobs, o maior acionista individual da Disney, dono  de 7% do seu capital .
 Criador e  criaturas: John Lasseter e os principais personagens  dos 12 longas animados idealizados por ele e sua equipe 
    
 A concretização do negócio tornou a Pixar a joia da coroa do império iniciado por Walt Disney, na década de 1920.  “Meu foco era garantir que a Disney passasse a ser guiada por suas  mentes criativas, assim como fazíamos na Pixar”, disse Lasseter,  em  entrevista exclusiva à DINHEIRO. Hoje, no ano em que completa 25 anos e  acaba de lançar Carros 2, seu 12º filme, a Pixar é a mais bem-sucedida  empresa da história do cinema mundial. Somados, os 11 títulos já  lançados por ela faturaram mais de US$ 6,6 bilhões apenas nos cinemas,  valor que sobe para cerca de US$ 40 bilhões se a conta incluir a  verba obtida com licenciamento de produtos e vendas de DVD. A  expectativa é de que o sucesso se repita com Carros 2. 
  
 O sinal para isso é que mesmo antes da estreia do desenho, os  produtos associados aos personagens do filme, como Relâmpago McQueen, já  são procurados nas lojas. Se hoje o sucesso financeiro está mais que  consolidado, justificando a operação, a verdade é que,  na época da  negociação com a Disney,  muitos analistas de mercado consideraram  absurdo o valor da transação. O autor do livro A Magia da Pixar, David  A. Price, escreveu que Jobs parecia ter deixado Iger e os acionistas da  Disney na miséria. Um olhar mais aprofundado, no entanto, mostrava que  havia ali um casamento de interesses. “Iger sabia que a Disney precisava  de Lasseter e pagou o que foi preciso para tê-lo ao seu lado”, diz  Edward Jay Epstein, autor do livro O Grande Filme, sobre a evolução da  indústria cinematográfica americana. 
  
 A esperança de Iger, portanto, era a mente criativa de Lasseter.  Quatro décadas depois da morte do fundador da companhia, Walt Disney, em  1966, surgia um profissional de criação tão visionário. Por isso muitos  passaram a acreditar que Lasseter preencheria o vazio criativo deixado  pelo idealizador do Pato Donald.  A primeira visita dele aos estúdios da  Disney após a compra da Pixar, é um exemplo disso.  Aplaudindo-o  efusivamente,  uma multidão de artistas da equipe foi recebê-lo, o que  comprovava o prestígio que desfruta entre seus pares.
  
 
 Quarteto fantástico: da esquerda para a direita, Ed Catmull, Steve Jobs, Robert Iger e John Lasseter,
 os homens   responsáveis pelo sucesso da união entre a Pixar e a Disney   
       
 Em comum, Lasseter e Disney são responsáveis por um incrível dom  para contar histórias por meio de animações e um grande entusiasmo pelo  uso da tecnologia na criação de filmes. Se A Branca de Neve e os Sete  Anões, lançado em 1937, foi o pioneiro entre os longa-metragens de  animação, Toy Story, de 1995, foi o primeiro desenho feito totalmente em  computação gráfica. Mais que isso, ambos desenvolveram personagens com o  poder de atravessar décadas. Não se trata, no entanto, do simples uso  de computadores. O mais importante é o que se vai fazer com eles. “Nem  toda a tecnologia do mundo poderia entreter as pessoas. O mais  importante sempre será a história e seus personagens”, diz Lasseter. 
  
 Mesmo depois da transação com a Disney, os departamentos de  animação dos dois estúdios continuaram a trabalhar separados, embora  contem hoje com o mesmo comandante, Lasseter, que se transformou também  no conselheiro criativo da Disney Imagineering. Essa empresa desenvolve  os brinquedos dos parques temáticos do grupo, que tem atualmente  atrações inspiradas em Toy Story e Procurando Nemo. Para 2012, o plano é  abrir A Terra de Carros, inspirada no longa-metragem da Pixar. 
  
 
A atuação de Lasseter pós-aquisição deu resultados quase  imediatos.  O lucro da divisão de filmes do grupo Disney subiu 64% entre  2006 e 2007, enquanto o dos parques, que incorporaram  personagens da Pixar, cresceu 11%. O faturamento da Disney, que era de  US$ 30,7 bilhões em 2005, alcançou a marca de US$ 38 bilhões no ano  passado, a despeito dos efeitos da crise financeira do final da década. A  Pixar, por sua vez, continuou sua sequência ininterrupta de filmes  sucessos e venda de brinquedinhos que fazem o caixa tilintar como nunca.  A lista de itens comercializados vai de canecas a games, passando por  pelúcias, camisetas e artigos de higiene pessoal, como xampu e lenços de  papel. 
  
 Assim, a Disney acredita que Carros 2 deva vender mais produtos que  qualquer outro filme seu até hoje. Estima-se que a comercialização de  produtos, apenas em 2011, supere os US$ 4,5 bilhões. Como comparação,  Toy Story 3, o atual recordista, gerou US$ 2,8 bilhões em 2010. Tamanho  frenesi sugere que a cultura criativa da Pixar possa ter sido cooptada  pela voracidade comercial que vem desde Walt Disney, conforme escreveu o  jornal Los Angeles Times. Mas, de acordo com Ed Catmull, que hoje é  presidente dos estúdios Disney e Pixar, é justamente Lasseter que  estaria obcecado com os licenciamentos. “Lasseter quer contar uma  história que tenha um impacto na cultura”, declarou Catmull. “Ele se  sente muito orgulhoso quando as crianças querem brincar com os  personagens do universo que ele criou”, afirma. 
  
 
  
    
 Mas, para Lasseter, não se trata da simples busca por dinheiro,  porque os recursos que ele recebe não vêm dos resultados com  licenciamento, diz Catmull. Ele é, como diria Walt Disney, o inventor  desse modelo de negócio, hoje utilizado por toda a indústria do  entretenimento:“Não faço filmes para fazer dinheiro. Faço dinheiro para  fazer filmes.” Com o passar dos anos, fica claro que a estratégia de  Iger, que permanece como CEO da companhia, de comprar a Pixar se mostrou  correta. Ter em mãos o maior celeiro criativo do cinema americano  moderno não representava apenas vários bilhões a mais de dólares nos  cofres. 
  
 É também o caminho para manter a  Walt Disney Company  na vanguarda  da animação digital e da criação de filmes e personagens que seduzem  multidões de espectadores ao longo dos tempos. 
“A Pixar trouxe o espírito Disney para a geração atual”, afirmou  Jeffrey Katzenberg,  CEO da Dreamworks Animation, a maior concorrente da Pixar, à DINHEIRO. Foi Katzenberg, por sinal, então um executivo de primeiro escalão na Disney, que selou a parceria com a Pixar em 1991. 
   
 Não poderia ser mais irônico, portanto, que Lasseter, cujo talento à  frente da Pixar  foi  reconhecido pelo pessoal da Disney, tenha  sido  demitido do estúdio quando lá trabalhou, em 1984. Mais curioso, ainda,   é pensar que ele, até então apenas um jovem prodígio da animação, foi  despedido justamente por querer fazer desenhos em computação gráfica,  algo considerado caro, demorado e sem futuro pelos executivos da empresa  naquele momento. Mover o ângulo de visão do público em um desenho feito  à mão, por exemplo, era algo tremendamente difícil e com resultados  aquém do esperado. 
  
 
  
    
 Mas Lasseter estava fascinado com a possibilidade de um dia contar  histórias por meio do computador, e conseguiu realizar seu objetivo anos  mais tarde. Nesse aspecto, o modo de trabalhar da Pixar, que privilegia  a colaboração contínua das equipes, foi fundamental nesse processo.  “Talentos são melhorados ou diminuídos de acordo com o ambiente no qual  eles estão inseridos”, disse em outra ocasião Steven Johnson, autor do  livro Where Good Ideas Come From (De onde vêm as boas ideias), ainda não  lançado no Brasil.
  
 A demissão foi um duro golpe que Lasseter só conseguiu superar  completamente quando voltou a Disney,  por conta da aquisição da Pixar.  “Mas, no final das contas, aquela experiência me fez ser o líder  criativo que sou hoje”, diz (leia entrevista ao lado).  As  circunstâncias de sua saída foram essenciais para a definição do estilo  de gestão que ele viria a empregar com os seus funcionários. Na Pixar,  um dos pontos centrais do trabalho é que os todos compartilham ideias,  projetos e solução para problemas. “A criatividade é uma qualidade  abundante na Pixar porque a empresa estimula como poucas a colaboração  de todos os seus funcionários nos projetos”, afirma Bill Capodagli,  autor do livro Nos Bastidores da Pixar - Lições do Playground  Coorporativo Mais Criativo do Mundo. 
  
 
  
    
 A Pixar não se tornou apenas a referência para empresas que querem  ser criativas e inovadoras, mas também mudou o mercado mundial de  animação. Percebendo o grande sucesso da empresa, muitos outros estúdios  passaram a apostar em animações em computação gráfica. Entre os mais  bem-sucedidos nessa empreitada estão Blue Sky, de A Era do Gelo e Rio, e  a Dreamworks, de Shrek e Kung Fu Panda. Na década que se seguiu ao  lançamento de Toy Story, nunca houve mais de quatro longas animados  lançados em um mesmo ano. De repente, a partir de 2006, o mercado  assistiu a uma explosão no número de novos títulos. Foram dez só naquele  ano. 
  
 A média não voltou aos níveis anteriores, mas também não cresceu  muito. Este ano, serão 12 novos desenhos. “Falta mão de obra  qualificada”, diz Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica. Ele  próprio é um fã do modelo desenhado por Lasseter. O empresário quer  fazer da Mauricio de Sousa Digital Productions (MSDP) a Pixar  brasileira. “Técnica e artisticamente, eles são o ateliê de animação  mais sofisticado do mundo”, afirma.
  
 
 Os produtos licenciados do filme carros 2 devem faturar, em 2011, mais de US$ 4,5 bilhões  
    
Créditos: 
Revista Isto é Dinheiro~Abraços Blogueiro Paulo Henrique~